Somos
sementinhas lançadas numa terra fértil. Pretendemos dar sorte. Inicialmente
precisamos de cuidados específicos, com pouquíssima luz numa espécie de estufa
que nos protege do restante do mundo, mas aproximadamente nove meses depois (um
pouco antes dependendo do caso) somos levados a um jardim externo, cheio de
outras tantas flores e plantas. Àquela terra somos inseridos e lá nos fortalecemos,
vamos crescendo, ganhando cor e forma, ficando robustos...
O Tempo passa
e com ele muitos jardineiros vêm e vão. Adubam a terra onde estamos e nos
regam, nos podam, fazem de nós a flor que todos olham ao passar pelo jardim.
Alguns jardineiros são bons, outros péssimos (há profissionais ruins em todas
as profissões). Em dado momento dessa história somos flores já bem grandinhas,
capazes de utilizar a chuva para não morrer de sede, aprendemos que a luz do
sol é fundamental para termos forças e a usamos sem hesitar; lidamos com os
diversos climas da natureza. Sobrevivemos. Estamos ali, na solidão coletiva que
é viver num jardim. Uma contradição em termos.
Jardim é um
terreno onde são cultivadas plantas ornamentais, como muitos chamam. Uma
composição paisagística que serve para encher os olhos das pessoas. O que
muitos não sabem é que em meio a tanta beleza nascem espontaneamente plantas
exóticas capazes de interferir, negativamente, no fluxo das coisas. Estas são
fortes, adaptáveis e nem sequer precisam de uma fertilização específica; as
flores têm todo um caminho para se apresentarem formosas e sem mais nem menos,
surge uma coisa capaz de colocar tudo a perder. Maldita erva daninha, não é uma
planta específica, mas qualquer uma que chega espontânea e prejudica a outra. A
Flor precisa competir por nutriente, água e espaço. Uma luta. Inúmeras vezes a
pobre Flor nem percebe que aquela plantinha, aparentemente inofensiva, é uma inimiga
potencial.
Há
muitos jardineiros de olhos bem abertos para este jardim. Ufa, que sorte! São
eles que identificam a plantinha oportunista e tentam arrancar dali, para nos
deixar crescer e nos movimentar com a leveza da brisa (como deve ser). Mas a
grande questão é que essas plantinhas que nasceram não saem assim de um dia
para o outro, requer tempo, paciência, tanto do jardineiro que resolveu arcar
com o trabalho quanto da flor atacada. Ao
se tratar do jardineiro, compete à flor reconhecer sua beleza, encanto, e valor.
É uma Escolha intransferível (da flor) permitir que mãos intervenham naquele
terreno hostil, assim como é Escolha dela acreditar que o oportunista seja o
jardineiro. Salvação ou perdição, umas preferem ser cuidadas no presente e
outras se deixam corroer com as ervas daninhas de outrora. Triste, mas é uma
escolha e livre arbítrio é lei maior e sempre será. Não esqueça!
Somos
flores num vasto jardim, convivendo com a diversidade de vida ali presente,
recebendo visita de borboletas e hora e outra precisando de mãos que nos
cuidem. Haverá maus jardineiros querendo cortar nosso caule por puro prazer de
nos ver menores (a beleza pode incomodar, causar insegurança), contudo, nossa
força está na resistente raiz que preservamos bem lá no fundo. Somos efêmeros,
mas não estamos sozinhos nessa existência. Sofremos a ação do tempo,
enfrentamos todas as estações. As intempéries do inverno nos murcham, mas não
há inverno eterno, inferno! Sempre há uma primavera que nos fará flores mais
radiantes, mais viçosas, mais flores. Aproveitar o bom de cada tempo, o melhor
de cada visita, esquecer a dor latente, mas nunca o que ela nos ensinou é o que
nos cabe.
"Não é pelos “pra sempre”, e sim pelos instantes infinitos
que vivemos no jardim e, sobretudo, a quem vamos nos mostrar da ponta da raiz
até a mais peculiar pétala".
BC.